Neste artigo a terapeuta ocupacional Corinna Laurie, que exerce funções em contexto escolar e é diretora da “Evolve Children’s Therapy Services, Ltd”, explica o que é a Terapia Ocupacional e de que forma esta terapia ajuda as crianças com autismo. Corinna fala do papel essencial da intervenção da Terapia Ocupacional no autismo e dá alguns exemplos de intervenções terapêuticas bem como estratégias simples direcionadas para as disfunções de processamento sensorial.
O que é a Terapia Ocupacional? Porque é que é importante para as crianças com espectro de autismo?
As crianças com autismo e com perturbação da hiperatividade com défice de atenção (PHDA) tendem a apresentar padrões de processamento sensorial diferentes dos seus pares e de crianças com necessidades educativas especiais (NEE).
Estima-se que cerca de 60% a 70% das crianças com perturbação do espectro de autismo apresentam uma disfunção no processamento/modulação sensorial (Adamson, 2006). Estudos demonstram que as pessoas com autismo demoram mais tempo a integrar os inputs que recebem dos sentidos, tornando a sua velocidade de processamento mais lenta. Isto permite justificar porque é que as crianças com autismo são frequentemente sujeitos passíveis de “colapso”. Estas crianças carecem de “filtros” que eliminem a informação irrelevante e isto pode causar o colapso uma vez que cada input é guardado sem ser filtrado correctamente. Por exemplo, é possível que a criança com autismo ainda esteja a processar um ruído que ouviu de manhã no corredor da escola enquanto tenta ao mesmo tempo lidar e processar os inputs do professor e dos colegas de sala. Como um aluno uma vez disse “eu não sou capaz de continuar a ler porque os meus olhos estão cheios neste momento”.
A sobrecarga sensorial pode apresentar-se de diferentes formas tais como com um comportamento desafiante, desistência ou paralisação total.
Existem no entanto, um conjunto de estratégias simples que podem ser utilizadas em casa ou na sala de aula que permitem adicionar de forma efetiva os filtros que estas crianças necessitam. Os terapeutas ocupacionais são a chave para esta intervenção. Adicionando os filtros apropriados e intervindo de forma a dar resposta a cada sistema sensorial permite que o sistema nervoso da criança se torne mais organizado/regulado, ajudando a criança a melhorar a atenção e o desempenho.
O que é a Terapia Ocupacional?
Os terapeutas ocupacionais trabalham para promover, manter e desenvolver as competências necessárias para que os alunos sejam funcionais no contexto escolar ou noutros contextos. A participação ativa na vida promove:
- – Aprendizagem
- – Auto-estima
- – Auto-confiança
- – Independência
- – Interação social
Os terapeutas ocupacionais recorrem a uma abordagem holística nos seus planeamentos de intervenção. Eles têm em conta as competências físicas, sociais, emocionais, sensoriais e cognitivas, assim como as necessidades dos estudantes no momento em que realizam o plano de intervenção.
No caso do autismo, o terapeuta ocupacional intervém de forma a desenvolver competências para escrever, de motricidade fina e da vida diária. No entanto, o papel mais importante é também avaliar e intervir nas disfunções de processamento sensorial. Isto irá permitir remover barreiras de forma a ajudar os alunos a aprender e a tornarem-se mais calmos e focados.
Os terapeutas ocupacionais que trabalham com crianças com distúrbios do processamento sensorial frequentemente têm formação complementar à licenciatura, em integração sensorial.
A integração sensorial assenta no pressuposto que a criança ou é “sobrestimulada” ou é “subestimulada” pelo ambiente. Nesse sentido, o objetivo da integração sensorial é melhorar a capacidade do cérebro de processar a informação sensorial de forma a que a criança consiga desempenhar melhor as suas atividades da vida diária.
Frequentemente, o terapeuta ocupacional elabora uma dieta/estilo de vida sensorial.
O que é uma dieta/estilo de vida sensorial?
Muitos de nós aprendemos, inconscientemente, a combinar os nossos sentidos (visão, audição, olfacto, toque, degustação, equilíbrio, noção do corpo no espaço) de forma a dar sentido ao nosso ambiente. Cada criança tem necessidades sensoriais únicas que dependem do humor, do ambiente e da intervenção terapêutica.
Uma dieta ou estilo de vida sensorial é um plano de atividades diárias específico. Este plano pretende introduzir atividades sensoriais na rotina da criança de forma a promover o foco, a atenção e assegurar o bem-estar (regulação) da criança durante todo o dia. Da mesma forma que o nosso corpo necessita de comida, na quantidade certa e em diferentes momentos do dia, ele também precisa de atividades que permitam manter o nível de excitamento/estimulação ideal.
A dieta/estilo de vida sensorial ajuda a organizar o sistema nervoso da criança e, por conseguinte, a melhorar a atenção e desempenho da criança. Um terapeuta ocupacional qualificado é capaz de desenvolver uma dieta sensorial efetiva de forma a que o estudante possa implementar na sua rotina.
Que aspetos a dieta/estilo de vida sensorial procura abordar?
Os efeitos da dieta sensorial podem ser imediatos e cumulativos:
- – Ao longo do tempo, eles permitem restruturar o sistema nervoso do aluno de forma a que ele seja mais capaz de tolerar sensações e situações que ele considere desafiantes/distrativas
- – Permitem e ajudam o estudante a regular a atenção e capacidade de concentração
- – Limitam comportamentos de procura ou evitação sensorial e lidam com as transições com menor stress.
Isto permite à criança manter o foco na tarefa/atividade que está a realizar em vez de estar distraída com outros estímulos, como por exemplo a etiqueta da camisola que está a roçar no pescoço, o cheiro de um creme de mãos ou um barulho proveniente do exterior.
Para uma pessoa com dificuldades de processamento sensorial é difícil processar e agir de acordo com a informação recebida através dos sentidos, o que cria desafios no desempenho das tarefas do dia a dia e pode resultar, por exemplo, em dificuldades na coordenação motora, problemas comportamentais, ansiedade, depressão, insucesso escolar, etc., caso não receba um acompanhamento e intervenção apropriados.
As disfunções de processamento sensorial podem existir na ausência de diagnóstico de perturbações de autismo.
Circuitos Sensoriais
Os terapeutas ocupacionais frequentemente recomendam que o dia seja iniciado com um circuito sensorial: uma atividade sensoriomotora que ajuda a criança a alcançar o estado de “preparado para aprender”. Os circuitos sensoriais são uma série de atividades desenhadas especificamente para “acordar” todos os sentidos. São uma ótima forma de estimular ou preparar a criança para o dia. Cada sessão inclui:
- – Atividades de alerta (exemplo: girar, saltar numa bola de ginásio, saltar à corda, “jumping jacks / star jumps”) para estimular o sistema nervoso central para preparar a criança para aprender
- – Atividades organizadoras (exemplo: manter o equilíbrio sobre uma tábua/prancha de equilíbrio ou num tronco, fazer malabarismos)
- – Atividades relaxantes (trabalho muscular exigente ou de pressão profunda, exemplo: empurrar a parede, flexões, uso de pesos) de forma a consciencializar a noção do corpo no espaço e a promover a capacidade de auto-regular inputs sensoriais.
Está provado que a intervenção da Terapia Ocupacional tem impacto no melhoramento da comunicação, competências de interação, competências motoras nas crianças consideradas “difíceis de alcançar”. As crianças ficam mais reguladas após a intervenção o que reduz a ansiedade e promove oportunidades de prosperar neste ambiente sobrecarregado em que nós vivemos.
10 estratégias simples
- 1. Para a criança que se sente assoberbada com o excesso de barulho, ofereça-lhe uns tampões para os ouvidos ou deixe-a utilizar o MP3 enquanto se tenta concentrar.
- 2. Para a criança que fica agitada com o toque, deixe-a sentar-se na sala numa mesa da primeira fila ou da última fila para evitar receber encontrões. Deixe-a sair cerca de 3 minutos mais cedo que os restantes colegas para a aula seguinte para evitar colisões nos corredores.
- 3. Para a criança que tem dificuldades em manter-se sentada ou quieta, inclua pequenos intervalos de movimento. Explore algumas alternativas que se possam colocar na cadeira, por exemplo: uma almofada de equilíbrio permite “movimentos nervosos” constantes.
- 4. Para crianças que gostam de abraços experimente roupa interior de lycra (exemplo aquelas t-shirts que se utilizam no mar/para surfar).
- 5. Para a criança que tem dificuldades de ver textos de letra preta num papel branco, substitua por papel colorido. Isto será menos stressante para os olhos. Tenha isto em conta também para apresentações nomeadamente apresentações no Powerpoint.
- 6. Se a criança se sente sobrecarregada com o cheiro, utilize uma daquelas fitas de pulso para a transpiração e coloque uma gota de óleo, champô ou perfume de que a criança goste. Deixe-a utilizar isto no dia a dia de forma a disfarçar o cheiro que ela considera desconfortável.
- 7. Brincar com a comida deve ser encorajado em casos de crianças que têm uma dieta limitada. A criança não deve sentir pressão para comer e isto não deve ser feito durante a hora das refeições. O objetivo é simplesmente reduzir o medo que a criança tem da comida.
- 8. O uso de espaços/salas de relaxamento e silêncio dentro da sala de aula ou em casa é essencial para o relaxamento. Recorra a uma tenda improvisada com lençóis sobre a mesa e adicione sacos de areia ou feijão, brinquedos sensoriais etc.
- 9. Para crianças que gostam de mastigar ofereça-lhe alternativas como brinquedos comercializados com esse propósito, pauzinhos de pão crocantes ou cenouras.
- 10. Para as crianças que não gostam de lavar os dentes experimente utilizar aquelas escovas vibratórias e pastas dentífricas sem sabor.