12 de ago. de 2009

A INCLUSÃO SÓ SE FAZ BEM COM O CORAÇÃO


"Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o
coração. O essencial é invisível para os olhos."


O Pequeno Príncipe
Antoine de Saint-Exupéry



O momento atual se caracteriza pela proliferação de expressões como valorização da diversidade, sociedade inclusiva, inclusão escolar.

As políticas públicas, respaldadas na nova LDB, estabeleceram que fossem asseguradas a "igualdade de oportunidade para todos" , que a educação especial devia ser entendida , para os efeitos da Lei , como "modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos que apresentam necessidades especiais".

Recentemente, a Prof Rosana Glat, coordenadora de pesquisas em educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), numa entrevista ao site Aprendiz, referindo-se à Declaração de Salamanca, afirmou : "Esse documento apontou para uma meta a ser alcançada: hoje, não se discute mais se o aluno deve ou não ser incluído em sala regular, mas como será esse processo".

Estaremos nós professores brasileiros realmente preparados ? Tentando responder a essa pergunta, visitei escolas da rede pública e da rede privada e tirei algumas conclusões importantes que vou relatar nesse artigo.

Creio que para que se possa realizar a educação para a diferença, é necessário aprimorar a nossa atitude em relação aos alunos especiais . E de que maneira ? Antes de mais nada, aceitando a diferença, estabelecendo novas formas de relação, de afetividade, de escuta e de compreensão, deixando de lado os nossos preconceitos.

Para exemplificar melhor o que estou querendo dizer , vou transcrever aqui um trecho da história do Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, onde o principezinho mantém um diálogo com o personagem da raposa, que nos transmite uma profunda reflexão:

"- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?(...)
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços..."
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual
a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também
necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no
mundo. E eu serei para ti única no mundo..."

O que tenho observado na maioria das escolas do município do estado do Rio de Janeiro que visitei foi a constatação de que uma preparação exaustiva de base e uma técnica razoável não bastam para incluirmos esses alunos especiais. Os professores precisam participar das desventuras desses alunos, aceitá-los como são, criar laços de ternura, "cativá-los" para que eles consigam realizar o melhor do seu potencial e sintam vontade de pertencer e estabelecer relações afetivas com as pessoas ao seu redor. Se assim não o fizerem, assistirão, no máximo, ao triunfo de teorias pseudo-científicas que humilham esses alunos.

"Olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil.
Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará
lembrar- de ti. Eeu amarei o barulho do vento no trigo..."

Certos alunos parecem nos dizer que não pode haver caminho para sua plena inclusão social, nem mesmo há vontade de tentar, nem desejo de fazer e nem de aprender se tudo ao redor é inflexível e hostil. Assim, se a minha vida, as minhas mãos, os meus olhos aguçados não tem valor, também não tem sentido nem vale a pena que eu me esforce para me curar, para sair das minhas prisões.

As crianças portadoras de necessidades especiais sabem bem ocultar a sua solidão, o seu isolamento e as nossas intervenções representam mais uma ameaça à sua maneira de ser do que uma autêntica proposta libertadora.

Observei , em minhas visitas às escolas regulares, muitos alunos que portadores de necessidades especiais não respondem às propostas dos professores, parecia até que certos percursos e itinerários pedagógicos e didáticos que lhes foram apresentados, acabaram empurrando-as cada vez mais para um deserto intelectivo. De fato, elas ficam nessas dunas selvagens e se defendem pois...eles sentem que não são acolhidos.

Cheguei à conclusão que a grande lição que nós professores precisamos aprender , junto com esses alunos "diferentes", é a conviver com a angústia e a dor, a sorrir diante de suas formas estranhas de expressar-se e com isso saber melhor compreender a nós mesmos. Na sua escola de agressividade aprenderemos também a dominar a nossa agressividade e transformá-las em vida.

Assim, nós nos educaremos para considerar esses alunos especiais como todas as pessoas normais sem detê-las na infância ou na adolescência, mas antes impelindo-as a alcançar novas etapas. Isso significa fazê-las "sair" e, num certo sentido, vê-las realizadas, sem deixar-se tomar pelo medo de fracassos. Talvez o prazo de um ano seja insuficiente para tais transformações, para tais integrações e desenvolvimentos psicológicos, mas com certeza isso constitui uma aventura apaixonante. Portanto, nós não devemos ser os guardas da necessidade especial, mas sim cooperadores atentos e preparados, por um lado, a realizar menos assistência e, por outro, mais participação.

Temos a convicção de que todos precisam ser educados para a diferença. Todos, a começar dos pais até as instituições, nós nos educamos se despojamos a nossa mente de todos os estereótipos e lugares comuns para aprendermos pequenas lições de vida de quem é mais vulnerável e mais frágil que nós.

Não basta inserir uma criança com necessidades especiais em contextos e lugares normais de vida para poder achar que cumprimos a própria tarefa de educadores e terapeutas. Não é suficiente que um ser "diferente" seja admitido numa classe para sentir-nos solidários com a diferença. Somente uma obra inteligente de sustentação e de integração humana poderá realizar este milagre de vida.

Por isso, é desejável e uma educação para a diferença mesmo antes de submeter-se a um método, a uma escola, à última técnica ,ao último guru.

Educar-se significa não sentir a sensação de nojo e nem de piedade : significa não fazer juízos vazios, sem prestar qualquer escuta verdadeira ao aluno que sofre com o preconceito de sua condição de especial.

Educar-se significa não se considerar mais afortunado: pois, ninguém é mais ou menos afortunado ou desafortunado; de fato, a cada pessoa é concedido viver conforme aquilo que lhe foi dado e dentro de uma "própria luz", com pleno respeito e compreensão pela própria vivência e pela história dos outros.

Não há mérito nem desmérito se determinadas situações tornam a vida amarga.Não temos nenhum direito de sentir-nos melhores do que é diferente, do que não achou o trem certo.

Cada aluno especial é um "terreno" e os professores devem ter a força de fazer brotar as sementes mais débeis; não devem sufocá-las quando têm desejo de amadurecer, contanto que disponham de alguma potencialidade, mesmo que mínima.

Toda semente pede o terreno e o tempo favoráveis para brotar na estação apropriada; cada semente tem dentro de si o desejo de vida. Mesmo assim, a educação custa a realizar-se, porque não faltam ideologias reducionistas que anulam o ser humano.
Ainda hoje há clínicas, centros e instituições que são mais lugares de repressão e de exclusão, do que ambientes de reinserção dos "diferentes" na sociedade.

Portanto, tem razão a raposa quando disse para o pequeno príncipe sobre como ele poderia cativá-la: "Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos."
Fonte: Prof. Vera Lúcia Lopes Dias

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